3 de março de 2019

Era o fim do outono

A chuva começou a cair lentamente, como quem pede licença para se achegar e envolver num abraço o ser amado. Era noite e a grama estava fria, cortante, assim como o amargo que tomava o pulsar da angústia no estômago e como as mãos que gemiam a falta do carinho que antes era presente.

Uma música, ao longe, contava histórias do passado, dos mestres, de um povo sofrido, guerreiro, mas pouco meus ouvido conseguiam absorver – era o torpor de cada pétala da flor deusa e das lágrimas que batiam à porta. Ainda não conseguia enxergar teus olhos, perdidos dos meus, para então compreender a distância de dezenas de abismos que brotou em instantes... o som das gotas tocando a copa das árvores acalentava a pele desejosa pelos compassos dos silêncios dantes declamados.

As estrelas e planetas colocados no meu universo particular abriram as portas dos quintais, o céu era alaranjado, cor terra do cerrado – rica, incompreendida, seca, fértil – muitos não enxergam seus lençóis.

Um conto ritmado por falácias sorria num descontrole aparente, permeando as nuances do rosto teu que começava a revelar feições de adeus, com som de até logo, e começava um bordado de avessos rotos, intermináveis nós, como aquela música que tocou numa vez em que nos perdemos das horas e escutamos apenas os sorrisos dos olhares nossos. Não importava a música naquele tempo.

Ouvi os pedriscos tocando a superfície das águas, como uma folha que cai num rio, mas não consegue mergulhar suas vontades e carga de vida no profundo.

Poucos minutos depois teus pés ainda patinavam, nenhum mergulho, e do que deveria ser casa teus braços correram, saltaram num pulo incerto, rumo ao cômodo caos costumeiro.

Eu sorri, lágrima caíram, ferveu o peito amante. Pingos de chuva lavaram as certezas e algumas incontáveis interrogações dantes mortais. Era o fim do outono.


today - by me - 03.03.19

9 de janeiro de 2019

Fruta doce

adjacências escondiam vestígios d'um temível e profundo silêncio
daqueles classificados entre os intangíveis, abraçados aos portais desgastados
ainda que o colorido saltasse aos olhos, as sombrias palavras permaneciam inertes
tal qual estatuetas de mármore e bronze, fundidas num compasso inquietante
chamas ávidas por sol e mar lambiam as trovas e beijavam o chão batido de estrelas

fruta doce foi o nome que teus olhos deram a meus lábios e aos espaços da minha pele
como se eu fosse flor teus braços cheiraram cada pétala e lágrima de festejo
no samba do peito meu ecoou a infinitude da força do amor nosso, brisa matreira dadora de fulgor
n'algum lugar comum nos tornamos a coreografia e o frescor dos finais de tarde 
um chamamento viril aquecera nossos ouvidos e o pulsar do peito amante - torpor

as mãos, nossas, formaram um laço de encantamento e aconchego  suave
como luzeiros, que ao longe picelavam de primavera os dias que passamos juntos, houve cantar
pedaços da noite vestiram-se de luar e sons trazidos por nossas raízes primeiras acarinharam os instantes
das imagens cintiladas por ouro e ébano brotaram corredeiras e vales embebidos de amor
caos e fôlego mergulhados no prazer e encantamento tomaram os degraus e as passadas inebriantes do nós

um tal dia
e todos os outros