11 de novembro de 2018

Sofrimento - sobre estar vivo e ser quem se é

O sofrimento foi presente ao longo de todos esses anos, dia após dia sorrindo um riso profundo e encantador ao coração ferido. Ele trouxe buquês de dor, angústia, gris, geadas e silêncios sepulcrais. 

Mas em algum momento parecia ter desaparecido, sumido em meio ao caos e às novidades dos dias seguintes. 

E quando uma nova oportunidade de amor bateu à porta, num salto orquestral, ele invadiu a sala sem pedir permissão. Estava forte, cheio de si, e me olhava nos olhos com ar de passado, desenhando no silêncio todas as dores traduzidas em cicatrizes, todo o choro derramado, todo o dessabor de entregar e ser jogada fora como mais uma coisa que se consome. 

Eu parei, senti o seu cheiro, suas músicas me eram familiares; eu o reconheci em tantos momentos ao lembrar de fatos doídos, o reconheci em atitudes e decisões que me fizeram questionar o meu lugar no mundo, nessa realidade fria e cruel... ele sempre esteve ali, permaneceu à espreita como quem cala a voz, mas vibra suas vontades em marés e tempestades. 

Suas marcas estavam na minha pele, no meu olhar distante, nas lágrimas que molharam os lençóis, nas palavras tecidas em cada página em branco, no sorriso de gratidão por cada novo dia... ele ainda estava ali... ele nunca tinha me deixado. 

Me parecia cruel a idéia de descarta-lo, como fizeram comigo... ele só estava ali como resultado desse mesmo tipo de atitude. E eu não sou assim, não tenho gana por me desfazer das coisas que chegam no meu presente, nem em saborear da presença das pessoas e depois apenas beber uma água com gás e num gesto impetuoso pedir: - próximo. 

Há anos aprendi que sofrimento poderia ser castigo, uma sombra daquele passo no escuro, um traço de fraqueza, incompletude, incompetência até... ouvi tantas vezes que essa parte da realidade de ser humano poderia ser sublimada em instantes com algumas fórmulas mágicas, e esqueceríamos que um dia ele bateu à porta, sentou à mesa e dormiu na mesma cama. 

Hoje eu me atrevo a sentar no tapete, colocar um vinil, e olhar nos seus olhos, como um chamamento para uma conversa franca. E ele tem despejado tantos ensinamentos a essa mulher. Às vezes ainda dói falar sobre algumas coisas, dói o fato de pessoas ainda fazerem como no passado, se achegarem e partirem como quem consumiu uma mercadoria, dói quando deitamos contemplando as estrelas e a lágrima encontra seu caminho pelo meu rosto, dói quando ele me remete ao desmazelo daqueles dias em que meu corpo só conseguia se aninhar no choro, só, afogado, submerso... 

Mas eu tenho aprendido que lidar com a presença dele fortalece, pensar à fundo nas lições que ele, com destreza, compartilha comigo, produz uma leveza ímpar. Contraditório né?! Bonito também. 


Sobre estar vivo e ser quem se é




24 de outubro de 2018

seu peito guardava a chama

ela pouco sabia da vida
.
e os tamanhos percalços que viriam tentariam roubar a chama que acendera em seu peito desde o primeiro sopro


pessoas passaram numa enxurrada leviana arrancando pedaços do seu coração com fervor legítimo - sabor fel
.
e ela descobriria em dias seguintes, distantes, vindouros, que muitos outros insistiriam em atear cinzas em seus caminhos


pintaram muros e construíram fundações públicas em nome de ideais secos de humanidade e banhados por torpor
.
eras e estações misturadas silenciaram a destreza de seus lábios em sorrir ingenuamente aos céus e aos corações 


um instante em êxtase e exílio do senso comum a tomou pela mão; correram numa dança incansável por veredas e vales em busca do calor
.
embainhou o amor e galopou por marés de alento e bondade... foi sol e abrigo... abraçou os olhares sedentos


seu peito guardava a chama
seu sorriso lar da imensidão do universo




9 de outubro de 2018

retorno

e serenou
o mar acolheu suas agruras
apalpou cada retalho de dor 
esculpiu asas - mármore e corais
lentamente encharcou de tempestade o peito

amante o que se era, amante ainda se é

preta tez enegrecida por olhares uns
coisa de pele saltada aos olhos outros
e na caminhada gentil seus pés lavam a alma 

sal e sol no acarinhar do peito que ainda sorria - sorri
não num fingir de alegria das estampas e brocados midiáticos
e sim no reluzir do coração que agradece e saúda a vida
com bordado em fios de ouro: ser quem se é


23 de setembro de 2018

Orvalho... é manhã

Notícias da ausência tua nos meus dias transitaram pelas paredes rotas dos mausoléus
Palavras espaças encobriam as frieza de estar sem a presença de teus olhos nos meus jardins
Mares inquietos e tempestuosos abrigaram as lembranças dos momentos em que teu sorriso brindava à noite e aos abraços nossos

Fecho os olhos e retorno à dança daquela noite... tuas nãos tocaram as águas com sutil desvelo
Retalhos delicadamente desenhados em folhas d’ouro e papiro; perfume das estações em que nossas almas foram pérola
Uma travessia pelo mundo regada a porões, valsas, estrelas cadentes, lágrimas e chuva temporã

Abro os olhos e uma página em branco, marcada por febris respingos
Orvalho... é manhã.


By me @sarahagsilva

22 de setembro de 2018

Hoje

Algum dia disseram a ela que seus olhos eram capazes de revelar novos mundos
Disseram que as palavras rotas seriam incapazes de descrever o brilho das gotas de mel - sorrisos
Sutilmente fizeram dos seus passos veredas primaveris e arquivaram os invernos numa singela intenção de afago

Algumas vezes olharam para suas mazelas e disseram haver uma atmosfera divina na lágrima que caía
Olharam para seu peito aberto e suas mãos num eterno chamamento e incendiaram as esperanças
Sutilmente pintaram de indiferença e frieza as chaves costuradas à barra dos vestidos de algodão cru e cheiro de lavanda

Algum dia... e voltariam.
Ela não estava mais lá. Abandonou aquele lugar ainda impregnado por memórias e cartas sem resposta
Ela decidiu vestir a noite em estrelas e canções cadentes, enfeitar su’alma com gotas de mar e amores miúdos

Amanhã (hoje)


Me and my poetry


16 de setembro de 2018

A descoberta

Os momentos seguintes foram tomados por um certo torpor, como se todas as percepções anteriores tivessem sido colocadas em gavetas trocadas, como se os pés, outrora certos dos trilhos a percorrer, agora só enxergassem a névoa diante do caminho...

As palavras se emudeceram e esconderam as mãos, que antes buscavam por pele e calor... haviam descoberto que sempre pertenceram ao coração do outro? Tudo estava à frente de seus tolos corações e não perceberam?

As faces enrubescidas guardariam por dias a expectativa do encontro fortuito, do abraço infindo num instante que não se repetiria, e reverberaria por era e universos. Eles não faziam idéia de como seria... um dia.



@sarahagsilva

5 de agosto de 2018

Uma nova carta

Naquela tarde ela resolveu revisitar as conversas passadas... as cartas facilmente acessadas num clique.

Tantos anos juntos, tantas histórias, tanto compartilhamento, discussões sobre absolutamente tudo, e muita piada e sorrisos também... uma história abandonada em algumas poucas atitudes, jogada aos ares pelo descaso e falta de consideração. Ele simplesmente havia esquecido de como o coração daquela moça pulsava, da sensibilidade e maciez de seu olhar.

E agora, anos depois, ele reaparece como um estrangeiro, andarilho, e deixa mais uma carta dentro da garrafa que eles costumavam usar como abrigo às palavras que, juntos, teciam.

Ela, uma mulher que agora já carregava um olhar triste, e no peito um coração frágil, temeu tocar naquele universo desconhecido de palavras já estranhas. Guardou o segredo por dias... e como poderia chegar perto, novamente, do que causou tamanha dor e perturbação?

Pensou em simplesmente ignorar o chamamento que ecoava das paredes da garrafa, mensageira... por um instante tinha resolvido que essa seria a melhor alternativa. Seguir em frente e deixar enterrada a rama de espinhos e lágrimas que outrora fora sua parceira de dias.

Dias depois a coragem tomou conta de suas mãos e abraçou a parafernália num golpe de ousadia e indomável coração desbravador; abriu a carta.

(...)




24 de junho de 2018

Molduras


Mais uma vez decidi enxergar as luzes febris dos desenhos das horas
Manso e suave o abraço dos veios de primavera que brindam o hoje


Tons de Monet e Picasso emolduram os sorrisos não ensaiados ofertados no salão
A música que toca adoça a boca e faz aquecer o coração que deseja pele
Os lábios ávidos pelo frescor das espumas de nuvens pintadas em cobre


Torpor em meio ao caótico declínio do olhar deles à vida, todos
E eu escolho a nova poesia que habita nos perfumes das lembranças e marcas de vida

15 de junho de 2018

Nascem flores

deixa eu bagunçar você
acabar com essa convicção copiada dos livros
puxar pela mão aos caminhos novos de vida e carinho
fazer real o contemplar do novo, tão presente no agora, mas nunca enxergado por você

.

deixa eu bagunçar sua idéia de relacionamento
refazer as pontes e tocar na novidade de quintais e molduras esculpidas pela sabedoria e paz

.

deixa...

.

e dessa bagunça
nascem flores

.
.
.

10 de junho de 2018

06 de junho ao som de Etta James

Foi-se contigo a dança dos inquietantes solfejos de amor
Feneceu a ordem posta como chama nos frios mausoléus
Quartos e salas e corações desajustados dos veios primaveris

Tracejos de céu absorvidos do olhar teu a mim – pele
Embainhada a esperança como escopo de poesia e desfecho
Estrelar pausa embelezadora do silêncio: nosso, a sós, nós

Cores espalhadas pelo chão respingaram nas janelas e molduras
Nos cabelos o perfume das nuances de cada pétala – carta
Uma vida dada ao amor, gotículas de frescor e sabor de dias idos


°

2 de junho de 2018

Me espera

Aguardo teu chamamento
Aguardo tuas primeiras palavras
E o toque desconhecido te duas mãos

Aguardo teu olhar vazio de impressões,
pronto a decifrar minha alma

Aguardo os detalhes do teu sorriso ao experimentar aquele vinho que escolhi como anunciação da tua chegada

Aguardo sentir o desalinho meu ao perceber o calor da tua presença, tão despretensiosa

Aguardo o torpor da ausência de obrigações da minha, tua, essência - nua

Aguardo tua pele marcada pelo meu cheiro
Aguardo o entardecer à meia luz contigo
Aguardo: faltarem as palavras, num imediato eterno...

31 de maio de 2018

Numa noite qualquer chamada ontem



O vazio invadiu meu silêncio com voraz inquietude

Gotas de desfiladeiro sussurraram à lua

Tonéis rotos foram casa ao elixir da vida;

Virtude posta como lar do cancioneiro perdido

°

27 de maio de 2018

Um som novo...

Alguma avaria se escondia nas pequenas brechas que deixavam escapar um certo desencanto e escassez de amor
Houvera dias em que a tez da perfeição estivera adormecida, nenhum som emanava do fundo da caverna
Apenas seres humanos e imperfeitos em toda beleza e caos ocupavam os espaços e cultivavam pequenos jardins

Mas o coração, desprendido, se deixou embriagar pela possibilidade inócua de uma imagem manipulada de instantes idos
A música brotava do interior da gruta com sutileza e olhar desejoso por almas carentes de atenção e a tal alegria desenhada em alguns rascunhos
Notas frutadas agradeciam a aproximação tímidas dos alguns curiosos e d’outros convidados trajados de solidão e vazios

A próxima cena? Continua...



.


26 de maio de 2018

Muito tempo depois...

Tanto tempo depois, e o meu coração apontou para cá, para esse compartilhamento.

Na verdade não imagino quem vai ler esse texto, quem vai se interessar por esta porta que dá acesso direto para o meu quintal, para o jardim pequeno que estou fazendo e a uma aconchegante rede (meu xodó).

Mais de um ano sem pisar nessa terra, sem tocar nessa trilha, mas não sem escrever, isso é quase que impossível, afinal faz parte da minha essência, os textos para expiar minh'alma, para afagar o tic tac das horas que escorrem por entre os instantes.

Muitos dos meus escritos estão no Instagram (@umacartaumavida e @sarahagsilva), compartilhados em conjunto com algumas fotografias que meus olhos enxergam por aí. O primeiro perfil todo em preto e branco, carregado pelo colorido do perfume do cotidiano, e o segundo com o gris e profundidade do meu olhar sobre mim, inclusive, com o tempero da cartela de giz - luz do sol.

Bem, então declaro iniciada a temporada de textos por aqui, o retorno daquela que nunca esqueceu da precisão da incerteza da vida, uma carta em confecção, uma folha em branco ávida pelo encontro com o destino, a tinta que como sangue irriga os cômodos da alma.

Até mais!


"mar e sol, gira, gira, gira, girassol"