9 de setembro de 2023

Apenas o hoje!


Retornar às ambiciosas e ingênuas curvas de uma estrada infinda

Numa dança criada pela voracidade d'um peito que pulsa e grita por ar

Rascunhando, em cada olhar, uma fotografia que inexiste a todos os outros


Seria sina o pertencimento roto, craquelado pela ação dos nós e feridas d'alma?

Pouco restou do reflexo entranhado nos espelhos e telas desenhadas nas paredes;

Janelas entreabertas pouco revelam...


E de tudo que restou ouviu-se notas simpáticas, vestidas em brisa e sussurros solenes;

Cada silêncio uma feitura dos passos que desenrolaram os cantos dos quintais em flor.

Nenhuma gota de ar nas pausas paridas em vida - hiato.


Apenas o hoje!









3 de março de 2019

Era o fim do outono

A chuva começou a cair lentamente, como quem pede licença para se achegar e envolver num abraço o ser amado. Era noite e a grama estava fria, cortante, assim como o amargo que tomava o pulsar da angústia no estômago e como as mãos que gemiam a falta do carinho que antes era presente.

Uma música, ao longe, contava histórias do passado, dos mestres, de um povo sofrido, guerreiro, mas pouco meus ouvido conseguiam absorver – era o torpor de cada pétala da flor deusa e das lágrimas que batiam à porta. Ainda não conseguia enxergar teus olhos, perdidos dos meus, para então compreender a distância de dezenas de abismos que brotou em instantes... o som das gotas tocando a copa das árvores acalentava a pele desejosa pelos compassos dos silêncios dantes declamados.

As estrelas e planetas colocados no meu universo particular abriram as portas dos quintais, o céu era alaranjado, cor terra do cerrado – rica, incompreendida, seca, fértil – muitos não enxergam seus lençóis.

Um conto ritmado por falácias sorria num descontrole aparente, permeando as nuances do rosto teu que começava a revelar feições de adeus, com som de até logo, e começava um bordado de avessos rotos, intermináveis nós, como aquela música que tocou numa vez em que nos perdemos das horas e escutamos apenas os sorrisos dos olhares nossos. Não importava a música naquele tempo.

Ouvi os pedriscos tocando a superfície das águas, como uma folha que cai num rio, mas não consegue mergulhar suas vontades e carga de vida no profundo.

Poucos minutos depois teus pés ainda patinavam, nenhum mergulho, e do que deveria ser casa teus braços correram, saltaram num pulo incerto, rumo ao cômodo caos costumeiro.

Eu sorri, lágrima caíram, ferveu o peito amante. Pingos de chuva lavaram as certezas e algumas incontáveis interrogações dantes mortais. Era o fim do outono.


today - by me - 03.03.19

9 de janeiro de 2019

Fruta doce

adjacências escondiam vestígios d'um temível e profundo silêncio
daqueles classificados entre os intangíveis, abraçados aos portais desgastados
ainda que o colorido saltasse aos olhos, as sombrias palavras permaneciam inertes
tal qual estatuetas de mármore e bronze, fundidas num compasso inquietante
chamas ávidas por sol e mar lambiam as trovas e beijavam o chão batido de estrelas

fruta doce foi o nome que teus olhos deram a meus lábios e aos espaços da minha pele
como se eu fosse flor teus braços cheiraram cada pétala e lágrima de festejo
no samba do peito meu ecoou a infinitude da força do amor nosso, brisa matreira dadora de fulgor
n'algum lugar comum nos tornamos a coreografia e o frescor dos finais de tarde 
um chamamento viril aquecera nossos ouvidos e o pulsar do peito amante - torpor

as mãos, nossas, formaram um laço de encantamento e aconchego  suave
como luzeiros, que ao longe picelavam de primavera os dias que passamos juntos, houve cantar
pedaços da noite vestiram-se de luar e sons trazidos por nossas raízes primeiras acarinharam os instantes
das imagens cintiladas por ouro e ébano brotaram corredeiras e vales embebidos de amor
caos e fôlego mergulhados no prazer e encantamento tomaram os degraus e as passadas inebriantes do nós

um tal dia
e todos os outros



11 de novembro de 2018

Sofrimento - sobre estar vivo e ser quem se é

O sofrimento foi presente ao longo de todos esses anos, dia após dia sorrindo um riso profundo e encantador ao coração ferido. Ele trouxe buquês de dor, angústia, gris, geadas e silêncios sepulcrais. 

Mas em algum momento parecia ter desaparecido, sumido em meio ao caos e às novidades dos dias seguintes. 

E quando uma nova oportunidade de amor bateu à porta, num salto orquestral, ele invadiu a sala sem pedir permissão. Estava forte, cheio de si, e me olhava nos olhos com ar de passado, desenhando no silêncio todas as dores traduzidas em cicatrizes, todo o choro derramado, todo o dessabor de entregar e ser jogada fora como mais uma coisa que se consome. 

Eu parei, senti o seu cheiro, suas músicas me eram familiares; eu o reconheci em tantos momentos ao lembrar de fatos doídos, o reconheci em atitudes e decisões que me fizeram questionar o meu lugar no mundo, nessa realidade fria e cruel... ele sempre esteve ali, permaneceu à espreita como quem cala a voz, mas vibra suas vontades em marés e tempestades. 

Suas marcas estavam na minha pele, no meu olhar distante, nas lágrimas que molharam os lençóis, nas palavras tecidas em cada página em branco, no sorriso de gratidão por cada novo dia... ele ainda estava ali... ele nunca tinha me deixado. 

Me parecia cruel a idéia de descarta-lo, como fizeram comigo... ele só estava ali como resultado desse mesmo tipo de atitude. E eu não sou assim, não tenho gana por me desfazer das coisas que chegam no meu presente, nem em saborear da presença das pessoas e depois apenas beber uma água com gás e num gesto impetuoso pedir: - próximo. 

Há anos aprendi que sofrimento poderia ser castigo, uma sombra daquele passo no escuro, um traço de fraqueza, incompletude, incompetência até... ouvi tantas vezes que essa parte da realidade de ser humano poderia ser sublimada em instantes com algumas fórmulas mágicas, e esqueceríamos que um dia ele bateu à porta, sentou à mesa e dormiu na mesma cama. 

Hoje eu me atrevo a sentar no tapete, colocar um vinil, e olhar nos seus olhos, como um chamamento para uma conversa franca. E ele tem despejado tantos ensinamentos a essa mulher. Às vezes ainda dói falar sobre algumas coisas, dói o fato de pessoas ainda fazerem como no passado, se achegarem e partirem como quem consumiu uma mercadoria, dói quando deitamos contemplando as estrelas e a lágrima encontra seu caminho pelo meu rosto, dói quando ele me remete ao desmazelo daqueles dias em que meu corpo só conseguia se aninhar no choro, só, afogado, submerso... 

Mas eu tenho aprendido que lidar com a presença dele fortalece, pensar à fundo nas lições que ele, com destreza, compartilha comigo, produz uma leveza ímpar. Contraditório né?! Bonito também. 


Sobre estar vivo e ser quem se é




24 de outubro de 2018

seu peito guardava a chama

ela pouco sabia da vida
.
e os tamanhos percalços que viriam tentariam roubar a chama que acendera em seu peito desde o primeiro sopro


pessoas passaram numa enxurrada leviana arrancando pedaços do seu coração com fervor legítimo - sabor fel
.
e ela descobriria em dias seguintes, distantes, vindouros, que muitos outros insistiriam em atear cinzas em seus caminhos


pintaram muros e construíram fundações públicas em nome de ideais secos de humanidade e banhados por torpor
.
eras e estações misturadas silenciaram a destreza de seus lábios em sorrir ingenuamente aos céus e aos corações 


um instante em êxtase e exílio do senso comum a tomou pela mão; correram numa dança incansável por veredas e vales em busca do calor
.
embainhou o amor e galopou por marés de alento e bondade... foi sol e abrigo... abraçou os olhares sedentos


seu peito guardava a chama
seu sorriso lar da imensidão do universo




9 de outubro de 2018

retorno

e serenou
o mar acolheu suas agruras
apalpou cada retalho de dor 
esculpiu asas - mármore e corais
lentamente encharcou de tempestade o peito

amante o que se era, amante ainda se é

preta tez enegrecida por olhares uns
coisa de pele saltada aos olhos outros
e na caminhada gentil seus pés lavam a alma 

sal e sol no acarinhar do peito que ainda sorria - sorri
não num fingir de alegria das estampas e brocados midiáticos
e sim no reluzir do coração que agradece e saúda a vida
com bordado em fios de ouro: ser quem se é


23 de setembro de 2018

Orvalho... é manhã

Notícias da ausência tua nos meus dias transitaram pelas paredes rotas dos mausoléus
Palavras espaças encobriam as frieza de estar sem a presença de teus olhos nos meus jardins
Mares inquietos e tempestuosos abrigaram as lembranças dos momentos em que teu sorriso brindava à noite e aos abraços nossos

Fecho os olhos e retorno à dança daquela noite... tuas nãos tocaram as águas com sutil desvelo
Retalhos delicadamente desenhados em folhas d’ouro e papiro; perfume das estações em que nossas almas foram pérola
Uma travessia pelo mundo regada a porões, valsas, estrelas cadentes, lágrimas e chuva temporã

Abro os olhos e uma página em branco, marcada por febris respingos
Orvalho... é manhã.


By me @sarahagsilva